Editoria: Vininha F. Carvalho 01/12/2006
Pesquisadores do Instituto Butantan vêm estudando o cuidado parental desde que, em 1993, descobriram que as fêmeas da espécie Sipnhonops annulatus, uma cecília, tipo de anfíbio cego, sem patas e que tem o hábito de viver dentro da terra, mudam de cor no período em que estão cuidando de seus filhotes. As descobertas foram feitas no sul da Bahia enquanto estudavam a biologia da espécie.
“No convívio com os animais notamos que, durante o cuidado parental, as fêmeas, de cor chumbo escuro brilhante, tornavam-se pálidas e foscas, de tonalidade cinza claro. Como os filhotes ficavam o tempo todo com a mãe, levantamos a suposição de que os animais secretassem alguma substância de agregação”, conta Carlos Jared, do Laboratório de Biologia Celular do Instituto Butantan.
Nos anos seguintes, as observações do comportamento parental, feitas na Mata Atlântica na Bahia, ganharam o mundo e envolveram diversos pesquisadores, que passaram a investigar estratégias semelhantes de alimentação de filhotes recém-nascidos em cecílias encontradas em outras regiões do planeta.
O mais recente resultado da sinergia originada no Brasil foi a publicação de um artigo na edição atual da revista Nature. Ao lado de Jared, Marta Antoniazzi, também do Butantan, e cinco pesquisadores de outros países assinam o artigo.
A análise, feita com a espécie Boulengerula taitanus, encontrada no Quênia, mostrou que a tal substância de agregação se constituía em nutrientes passados da mãe à prole. “Isso é inédito, pelo menos entre os anfíbios. Os filhotes das cecílias se alimentam das secreções maternas de forma semelhante ao aleitamento materno dos mamíferos”, explica Jared.
As observações feitas na prática não foram os únicos elementos que permitiram aos cientistas descrever o cuidado que as cecílias têm com a prole. Desde a década de 1970, os pesquisadores sabiam que esses anfíbios eram vivíparos, ou seja, retinham os ovos no útero até o nascimento dos filhotes.
Quando as condições ambientais eram desfavoráveis, as mães secretavam uma substância que garantia a sobrevivência dos futuros filhotes até o nascimento. Eles se alimentavam desse “leite uterino” por meio de dentes em formas de colher, estruturas ideais para a raspagem.
Os cientistas estimaram que o anfíbio teria dentes apenas na fase uterina, mas então Ronald Nussbaum, da Universidade de Michigan em Ann Arbor e outro dos autores do artigo publicado na Nature, ao examinar um filhote recém-nascido de uma espécie de cecília sul-americana e ovípara, viu dentes muitos parecidos com os das vivíparas.
A partir dali, e também com a troca de informações com outros especialistas da área, como Mark Wilkinson, do Museu de História Natural de Londres, outro dos autores do artigo agora publicado, todos estavam prontos para voltar à pesquisa de campo.
“Ficamos muito atentos, observando o cuidado parental e fazendo medições dos filhotes. Realmente, eles ficam passeando pela pele da mãe, que mantém a mesma posição e não se alimenta durante todo o período. Os filhotes aumentam de peso em torno de um grama por dia”, conta Jared.
Como esse comportamento ao lado do sul da Bahia também foi visto no Quênia, ele não apenas pôde ser descrito pelos cientistas como também permitiu que outras afirmações fossem feitas. “Esse comportamento deve ter existido desde há 150 milhões de anos, antes mesmo da divisão dos continentes, que levou à separação entre a América do Sul e a África.”